quarta-feira, 25 de maio de 2022

Saul Greyjak - 1/3: Escapada

Posted by Ismael Rocha on 06:44:00 in , | No comments

 

Como vocês devem se lembrar, deixamos nosso inspetor da pesada cara a cara com Cal Gosta nos camarins do Ecaesars Palace. Hoje, Saul Greyjak está de volta. Ou melhor, está partindo, decidido a aproveitar alguns dias de descanso, longe das ruas cheias e dos casos imundos de Ecaflip City...
 
Desisti de vez da ideia de pendurar as chuteiras. Muitos tentaram antes de mim. A maioria terminou com uma bela depressão e infinitas visitas ao psicólogo do DPEC (Departamento de Polícia de Ecaflip City). Não, obrigado. É preciso cair na real: meu trabalho nunca vai me deixar. Então, em vez de relutar, decidi apenas dar um tempo e deixar a cidade. Pela primeira vez em toda a minha carreira.

Da última vez que saí de Ecaflip City, foi para tirar férias indeterminadas com tudo pago pelo próprio departamento. Um afastamento que parecia indispensável aos olhos dos meus superiores por causa do meu comportamento.

Depois do caso da Cal, eu precisava de novos ares. Bastou encarar o espelho mais uma vez para entender a urgência de tomar um pouco de sol e trocar a atmosfera pegajosa e sufocante da cidade pela calma das praias de areias finas.

A ilha de Moon parecia perfeita para isso. Com a única camisa colorida que encontrei no guarda-roupa nas costas e o baú da moto lotado de revistas de palavras cruzadas e protetor solar, comecei a definir a rota, o Wabbit do motor mais furioso do que nunca.

Na metade do caminho, decidi dar um pulo em um dos restaurantes de Waldo Nald, que dizem ter as melhores fritas de girassol selvagem da região. No balcão, uma linda Ecaflip de pelagem loira acinzentada servia um cara debruçado, visivelmente pagando caro pela noitada. Do outro lado, um Kilorf estalava os dedos convulsivamente para chamar a garçonete.

"Tenho que mandar um ofício para ser atendido aqui?", resmungou sem nem olhar para ela.  

A Ecaflip, que olhava para ele há alguns minutos, não parecia muito disposta a atendê-lo. Resolvi me sentar perto do "problema", pronto para intervir caso o tom subisse entre a bela e o Molosso.

"O que você gostaria de pedir?", perguntou-me enquanto soltava uma generosa avelã com manteiga na frigideira.

Seu charme desapareceu completamente quando ouvi a voz rouca e o sotaque típico das redondezas. Alguns minutos após ter feito o meu pedido, ela deixou na minha frente um café bem forte e uma generosa porção de fritas num prato que representava uma paisagem campestre com Papatudos pastando. Comi com vontade. O que diziam era verdade. Eram saborosamente crocantes. Enquanto tudo descia pela garganta com a ajuda de um belo gole de cafeína, eu agitava a mão para que a Ecaflip se aproximasse. Ela limpou as patas no avental que tinha amarrado na cintura e veio até mim.

"Precisa de mais alguma coisa?"

Aproximei o meu rosto lentamente, olhando para o Kilorf, e perguntei discretamente:

"Aconteceu algo entre o totó e você? O clima não está dos melhores, não é verdade?

— É complicado.

— Como assim?

— É que ele e todos os outros da laia dele literalmente ROUBARAM TODAS AS PRATELEIRAS DE BISCOITOS DO MUNDO DOS DOZE, respondeu ela levantando a voz de propósito enquanto olhava para o Kilorf.

— Você quer falar de biscoito sendo que você e seus amigos devoraram tudo como animais até a última migalha?", latiu o cão sem tirar o focinho do jornal.

A Ecaflip ficou furiosíssima. Os dois trocaram os piores insultos. Nessa algazarra infernal sobre biscoitos roubadosclãs de Kilorfs e de Ecaflips se matavam para descobrir de quem era a culpa.

Mais um gole de café. Mais amargo. Que inferno... Mesmo do outro lado de Ecaflip City, os dozeanos procuravam encrenca. Atrás de mim, o som do sino da porta interrompeu os dois. Um pouco de paz. Eles se voltaram para a entrada e fixaram o olhar no que estava nas minhas costas.

 
"Senhores, senhoras..."

Essa voz. Ela me fez voltar no tempo uns quinze anos. Virei-me, incrédulo.

"Lary Blosh!

— Saul Greyjak, há quanto tempo!

— O que você está fazendo aqui, meu camarada?

— A mesma coisa que você, bichano! Vim encher o bucho com as melhores fritas de girassol selvagem da região! Hahaha!"

Nosso abraço foi caloroso e sincero. Lary era um dos veteranos do DPEC. Ele me ensinou tudo da profissão, começando pela lealdade. Era daqueles agentes de moral inflexível, que podíamos contar com uma pata.

"E aí, firme e forte no topo da colina de Smagadores?

— Só me tiram de lá passando por cima do meu cadáver!

— Hahaha! Cara, você não mudou nada! Diz aí o que você veio fazer aqui de verdade."

O rosto de Lary se fechou bruscamente e meu sorriso foi embora na mesma hora.

"Você não está aqui só por causa de umas fritas, né?

— Vou ser franco com você: não.

— Vai, pode falar...

— Tenho um caso para você. Bem gostoso também. Você ficou sabendo do escândalo dos biscoitos?

— Acredito que sim, disse me virando para a garçonete, que secava freneticamente um copo que já estava seco há muito tempo.

— O caso tem gerado discórdia por toda a parte. Nos mercados, nas mercearias e até nos atacadistas: os biscoitos sumiram. Um golpe duro para todos nós. Isso é muito grave.

— Você sabe melhor do que eu que isso não é nada... disse enquanto passava o guardanapo nos beiços.

— Agora é diferente, Saul. Falta pouco para uma guerra civil.

— Sempre exagerando tudo, miserável!" 

 A postura séria de Lary começava a me assustar.

"Fiquei sabendo que você estava tirando uns dias de descanso por aqui, então...

— Então você teve a ideia de botar mais um caso nas minhas costas, foi isso? interrompi meio ressentido.

— Aaaah, quebra essa, Saul... Você é o cara certo para isso! Não confio em mais ninguém! Sabe como é... Com os policiais de hoje em dia, não é a mesma coisa. Eles não são tão dedicados."

Dei um longo suspiro, brincando com as hastes dos meus óculos de sol, que lançavam um reflexo psicodélico com suas lentes multicoloridas. Lary estava lamentável. O tempo e os casos sórdidos de sua longa carreira deixaram marcas para sempre. A cara acabada dele não me deixa mentir. Não podia deixá-lo sozinho nessa.

"Tem problema se eu não estiver com a melhor roupa?", disse após um longo minuto de hesitação.

Lary sorriu com ternura.

"Você nunca esteve tão bonito, Saul. Fora que vai estar bem disfarçado."

Depois de ter passado todos os detalhes do caso e mandado duas pratadas de fritas para dentro, Lary pagou a conta e me acompanhou até o meu bólido. A bordo do meu veículo, tive a desagradável sensação de que a realidade dessa vida de cão sempre dava um jeito de me pegar. 

"Quando isso acabar, prometo levar você para tirar férias incríveis, Saul. 

— Por favor, leve-me para outra dimensão. Onde não tenha como você vir atrás de mim por causa de umas guloseimas que sumiram.

— Confie no meu faro, Saul. Essa história dos biscoitos é bem mais complexa e importante do que parece. Estou sentindo…"

Após um último abraço viril, parti deixando para trás o cachorro velho e imponente em meio a uma nuvem de poeira.

"Vou deixar para descansar quando estiver no Externam."

E foi assim que o nosso bom e velho Saul se meteu em mais um caso... O que ele vai descobrir ao longo das investigações? Talvez você descubra lendo as próximas aventuras dele!


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