A mandíbula de 85 quase saiu do lugar. Olhei para trás com a estranha sensação de que o tempo se estendia e meus movimentos estavam em câmera lenta, como se eu estivesse nadando. Só podia estar delirando... Apenas os batimentos do meu coração ganhavam velocidade, criando uma dissonância quase nauseante com o resto. Ela estava aqui, diante de mim, acompanhada de vários guarda-costas...
"Baria! Baria! Aqui!", os paparazzis gritavam. Dispostos a perderem a voz e o amor-próprio para conseguirem a mais bela foto do objeto de desejo deles.
"Baria! Você poderia nos dizer o motivo da sua vinda aqui hoje?
- Baria! Senhorita Metânia! Você veio participar da investigação sobre o desaparecimento da sua maior rival?
- Minha rival? Cal e eu somos amigas! Sempre fomos! Aliás, somos todos amigos nesta profissão!"
Baria Metânia. A inimiga jurada da Cal. Tomada de inveja por ter ficado para trás nas paradas de sucesso ainda aos doze anos de idade. Assombrada pela dor do fracasso que foi o anúncio do seu mais novo disco, realizado ao mesmo tempo que o retorno da Cal. O timing não podia ter sido pior. A Cal travava uma batalha sem fim contra os ataques e as injúrias de Baria há anos. Golpes baixos e difamações eram comuns. E um sorriso que, não há como negar, deixava qualquer um de pernas bambas.
Mesmo não sendo o melhor momento, Baria distribuía autógrafos a torto e a direito e fazia uma pose voluptuosa para sair na capa da revista de celebridades. Nem parecia que estávamos na possível cena do crime. Ela veio até mim e pegou o meu distintivo, decidida a assiná-lo. Salvei a minha honra e a do DPEC no último segundo.
"Ah, perdão! Sinto muito, inspetor! É o hábito, sabe como é... Hahaha!", disse ela, jogando os longos cabelos ruivos e me presenteando com uma piscadela quase hipnótica.
- Sem problema..."
A cantora olhou para a minha insígnia como se ela fosse feita de ouro, os olhos cheios de cobiça.
"Ninguém me disse que tinha espécimes tão bonitos na milícia..."
Atrás de mim, 85 limpou a garganta ruidosamente.
"Normal, eu não faço parte da milícia. Saul Greyjak, inspetor do DPEC encarregado pela investigação do desaparecimento de Cal.
- Ah! É verdade... Que situação triste, não acha? A Cal era tão talentosa! E tão próxima do público! Ela vai fazer tanta falta. Para todos nós...
- Você parece saber mais do que eu sobre o que aconteceu.
- Hã? Como assim?
- Você estava falando no passado...
- Ah! Ah... Mas... É que... Sempre dizem que quanto mais o tempo passa, menores são as chances de encontrar uma pessoa desaparecida... Não é o que dizem?"
A desgramada estava certa... Mas não tinha como não suspeitar de toda essa convicção. A forma como ela falava da Cal dava um nó na minha garganta.
"Se me permite... O que você veio fazer aqui, senhorita Metânia?
- Aaah, pode me chamar de Baria! Deixa disso!", sorriu afetadamente enquanto arriscava um tapinha no meu braço.
"Eu estou aqui como amiga e, também, querendo ajudar na investigação. É importante que o público saiba que o mundo da música é uma grande família! Não importa se estamos no ápice ou passando por momentos difíceis, como era o caso da Cal. Nós sempre nos ajudamos! E eu gostaria de lembrar que..."
O tom ficou mais solene. Baria passava a impressão de estar falando para uma plateia. Seu discurso emprestado soava tão falso quanto sua voz. Não sou idiota. Alguma coisa incomodava a cantora. Eu não estava gostando disso... Os anos me ensinaram que os piores criminosos não eram exatamente os mais impressionantes nem os que estavam na nossa cara... Tentei não ir direto ao ponto, mas decidi ficar de olho nela.
Seu agente, um jovem com o cabelo todo lambido, as patinhas cheias de anéis e os músculos quase rasgando um terno vagabundo que era pequeno demais para ele, sussurrou algo no ouvido dela.
"Ah, ótimo. Bom... Com licença, inspetor, mas preciso ir a uma coletiva de imprensa para falar sobre ajuda mútua em meio ao gl-amor."
Foi aí que caiu a ficha. Não era só o perfume. As evidências vieram para cima de mim com a violência de um uppercut. A cor do cabelo. Os sapatos com solas douradas... Os preferidos da Cal. Baria Metânia estava fazendo de tudo para ficar parecida com ela. É possível até que ela esteja sabendo do nosso caso, o que explicaria aquela ceninha de sedução que fez comigo. Sempre ouvimos falar de fãs que, por amor ao ídolo, acabam fazendo o pior. Partindo desse pressuposto, é assustador imaginar do que é capaz uma mulher ferida pela humilhação e pela inveja. Estava claro agora. Fiquei apavorado. Sem pensar, corri até ela.
"Espera!"
Quando a segurei pelo braço, acabei derrubando a bolsa dela e fazendo com que suas coisas ficassem espalhadas pelo chão. Fiquei confuso.
"Droga! Eu... Sinto muito, senhorita Metânia. Eu só queria perguntar se..."
- Imbecil! Eu não acredito nisso, não pode ser!"
Seu agente e seus dois guarda-costas correram como cachorrinhos para recolher seus pertences. Um batom Danatelha Versátil. O mesmo da Cal. A Gazeta de Amakna anunciando o desaparecimento. E, no meio de tudo, quebrado devido à queda, um frasco do qual escorria o líquido ocre que perfumava o ambiente. Meu faro estava certo...
Um dos três caras deixou claro que eu não deveria incomodá-la mais. Eu não tinha provas concretas. Tudo isso não passava de mera especulação. No entanto... Eu não conseguia parar de ver outra coisa nisso tudo. Algo terrível...
Esses detalhes da vida da Cal... Ninguém mais os conhecia, além de mim. E do Raynê, é claro...
Dei meia-volta e pedi ao meu amigo Molosso que me deixasse entrar no camarim da Cal. 85 estava ensopado, com a testa brilhando de suor.
"Está tudo bem?", perguntei preocupado.
Sem qualquer aviso, ele se jogou no chão para pegar alguma coisa. Meus reflexos de Ecaflip foram mais rápidos. Uma foto de 85 em boa companhia: Baria. No verso, uma palavra que não deixava dúvidas sobre os sentimentos da cantora em relação ao segurança, nem sobre os planos que ela havia feito para ele...
Senti um arrepio no corpo todo. E se eu não estivesse lidando com um, mas dois culpados? Konnie e Blyde dos tempos modernos. 85 parecia ter perdido a respiração. Ele olhava nos meus olhos, mas os dele pareciam querer sair das órbitas para não assistirem a este momento.
"Não conte para a minha mulher! Eu imploro! Eu imploro!", o Kilorf começou a soluçar.
Mulher? Era o menor dos meus problemas. Não era da minha conta se ele queria pular a cerca. Segurando-o pela gola, nós ficamos frente a frente, focinho com focinho. A raiva, somada à angústia, me dava asas.
"Ei, amigo, acho bom eu não encontrar nada comprometedor aqui, ou não vai ser só da patroa que você vai ouvir."
Empurrei o sujeito para conseguir alcançar a porta do camarim da Cal. E para acalmar os nervos. O cara chorava feito criança, deixando o corpo todo trêmulo. Que piada.
Os vestígios do ritual à base de açúcar ainda estavam no lugar. Uma taça de suco de Cogu-Cogu quase vazia e uma banheira que, visivelmente, ela não teve tempo de usar.
"Cal... Não brinque comigo... Diga que está viva...", falei baixinho, torcendo para encontrá-la no canto do cômodo.
Andei em direção à penteadeira, onde uma dezena de Miawkis olhavam nos meus olhos, alinhados um atrás do outro. Uma pequena amostra da coleção impressionante que a Cal tinha, e que ocupava um quarto inteiro da mansão dela. Nunca vi graça nessas coisas, nessa espécie de Ecaflip em tamanho reduzido. Acho estranho... e até tenho medo. Mas a Cal adorava... Ela conversava com eles como se estivessem vivos, contando suas dúvidas, suas conquistas e seus problemas. Como se fossem amuletos da sorte. Mas não eram...
Estava chegando um pouco mais perto deles quando alguma coisa mole grudou no meu sapato. Um docinho de frutas... Lembrando pedras preciosas multicoloridas, outros estavam espalhados pelo chão após terem caído de uma caixa que estava sobre um painel perto do sofá.
Estranho... Parece que algo, precipitadamente, interrompeu o pequeno momento de tranquilidade da Cal.
Ainda no painel, percebi um panfleto anunciando o show de Casis Lesprey que deveria ter acontecido na mesma noite, na Praça dos Casamentos de Ecaflip City. No verso, a programação da minha estrela, da sessão de maquiagem aos últimos ensaios, passando pelo famoso ritual com açúcar. Uma anotação em particular chamou a minha atenção.
Raynê – 19h no bar
Raynê... O que o Raynê viria fazer aqui? O Enutrof, que mal conseguia percorrer o caminho que separa a poltrona da cozinha, viria até aqui, no Ecaesars Palace? Improvável. Sim, eu também conheço os hábitos dele. Não tinha como ser diferente...
O horror apertou a minha garganta e o meu peito. E se...? Será que o Raynê descobriu o caso que a Cal e eu tivemos? Marcou um encontro no bar e a sequestrou com a intenção de fazê-la pagar pela infidelidade?
Agora, todas as possibilidades devem ser levadas em consideração. Até mesmo a de um marido manco e senil, mas, acima de tudo, humilhado e capaz do pior...
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